Saramago em esloveno
Na bonita cidade de Liubliana e com o hospitaleiro acolhimento de Barbara Juršič, teve lugar um colóquio sobre José Saramago, a 7 e 8 de março. Atividades diversificadas: duas palestras, uma mesa-redonda, um concerto e leituras, em esloveno, por estudantes universitários.
Saramago está, naturalmente, traduzido em esloveno. Várias traduções são devidas à anfitriã Barbara Juršič, que deu a conhecer aos leitores da Eslovénia, por exemplo, Esej o slepoti (1997), que é (como se percebe…) Ensaio sobre a Cegueira ou Evangelijpo Jezusu Kristusu (de 2005; mais fácil de identificar).
No colóquio propriamente dito, Juršič falou sobre “Figuras femininas em O Ano da morte de Ricardo Reis”, outro dos romances que traduziu. O autor destas linhas, além de participar na mesa redonda falou sobre o pensamento literário e social de Saramago; reporta-se esta expressão a um alargado conjunto de textos que interagem com a obra literária saramaguiana, escritos num lapso de tempo que começa nos anos 80 do século passado e se estende até à morte do autor.
A configuração do pensamento literário e social de Saramago decorre de um corpo não sistemático de noções e de princípios deduzidos da prática literária concebida e protagonizada pelo escritor. Não estamos, então, perante uma teoria estruturada e epistemologicamente orientada. A doutrina literária de José Saramago é, sem conotação pejorativa, circunstancial, porque decorre de uma praxis e de um ethos que responsabilizam o escritor, mas não impõem uma norma. Mesmo sem aspirar a ser uma doxa, o pensamento saramaguiano não é inconsequente, sobretudo desde que Saramago se assumiu como figura de referência, capaz de influenciar a produção literária do seu tempo e a daquele que se lhe seguiu.
Algo de semelhante pode ser afirmado a propósito daqueles textos a que chamo de intervenção social, textos que não separo da doutrina literária. Por outras palavras: não há um Saramago doutrinador literário e um Saramago pensador social, isolados um do outro, pois que ambos são faces da mesma moeda. A isto acrescento duas observações. Primeira: a exemplo do que antes ficou dito sobre a doutrina literária, José Saramago não busca construir um tratado de filosofia política e social, com rígido suporte argumentativo; trata-se, em vez de disso, da explanação de um pensamento incisivo e coerente, mas não sistematizado com intuito demonstrativo. Segunda observação: a cronologia indica, em Saramago, uma certa mudança de interesses e de prioridades. Essa mudança significa que se vai intensificando nele, desde o fim do século passado, uma componente de intervenção pública, determinada pelas solicitações que fizeram o romancista viajar incessantemente pelo mundo dos congressos e das ações cívicas, das entrevistas, das mesas-redondas e das declarações políticas.
Liubliana, 8 de março de 2022
Carlos Reis
Comissário para o Centenário